No País dos Cozinhados – As Receitas Secretas
Era uma vez lá naquele «país», por vezes inóspito que é a Cozinha, situada na Avenida dos Cozinhados – perdida entre tachos, panelas, talheres e outros objectos de cozinha, que com uns 8 anos, resolvi experimentar cozinhar.
Nunca o tinha feito antes, mas estava atenta a ver sempre como a minha avô e a minha mãe, o meu pai e a minha irmã mais velha, faziam. Então, numa noite, cansada de esperar e cheia de fome e como os meus pais e a minha irmã nunca mais vinham -decidi tentar cozinhar. Já era tarde e a hora do jantar já ia passando.
Estávamos em 1988, (e por todo o país não havia os hipermercados e grandes superfícies que há hoje). Por estas bandas o mais perto que existia era em Matosinhos e, nesse dia, estava tanta gente que foi uma verdadeira aventura para eles chegarem à caixa e pagarem a despesa feita. Eu estava em casa cheia de fome e o estômago já reclamava. Então, como tinha lá fêveras já temperadas, só achei que devia juntar arroz e um ovo estrelado. E, lá fui eu tentar cozinhar lembrando-me do que via todos os dias atentamente na cozinha e ouvindo o que me diziam. E também fiz arroz que chegasse para todos. E não é que a coisa me saiu bem!
Esse foi o início das minhas aventuras no País dos Cozinhados!
Entretanto, já estávamos em 1988 e, a minha adorada e sábia avó, já tinha partido; mas deixou o seu legado. A minha avó teve uma mercearia e também cozinhava lá para as pessoas. Passou esse gosto para a minha mãe e depois foi passado para mim, para a minha irmã também. O meu pai também sabia cozinhar: obra e graça da sua mãe e irmãs – que não se importaram que ele fosse um homem e também o ensinaram a cozinhar.
Como é óbvio por cá todos tinham o gosto por preparar manjares e aconchegar o estômago e, claro está a alma, porque em cada cozinhado não devem faltar os seguintes ingredientes secretos (e digo secretos, porque estes não vêm apontados nos diversos livros de receitas – alguns até célebres escritos por cozinheiros ou chefes de cozinha conceituados); porém ali, não constava como parte integrante do receituário o seguinte: uma grande dose de amor, uma pitada de carinho polvilhada de dedicação e aqui não há q.b, pois, estes ingredientes nunca são demais.
Estes ingredientes nem sequer deviam ser considerados secretos; todavia fazem a diferença e nem toda a gente, entendeu isso ainda: não basta cozinhar por cozinhar, só para satisfazer os desejos do corpo. Uma boa comida temperada com os ingredientes acima citados faz toda a diferença no sabor e, isso tem reflexos na alma!
Muitos tentavam encontrar o/ou os ingredientes secretos para uma receita igualmente secreta ou não, como se fosse um processo de alquimia dos cozinhados; ou como se procurassem infindamente o Santo Graal das receitas e das comidas de excelência. Era, como se procurassem há milénios os ingredientes secretos que tornassem os cozinhados únicos e com aquele gosto especial que não encontravam em mais lado nenhum.
Parecia que esses cozinheiros alquimistas, que procuravam os ingredientes ideais para uma receita dos Céus, se debatiam entre fórmulas, poções, elixires…mas sem nunca entender que os ingredientes secretos estavam mesmo debaixo do nariz. Dava a entender que seria preciso, lhes chegar a mostarda ao dito órgão do olfacto – que é também a principal via de passagem do fluxo de ar para dentro e para fora dos pulmões. Mas não cheiravam nada!
A cozinha deles devia assemelhar-se a um laboratório, no qual os ingredientes secretos teriam de passar por processos químicos. Sim, cozinhar, também tem a ver com Química. A cozinha, de facto, é um laboratório onde processos químicos acontecem. Mas será que no meio desses processos também não se deve entrar amor, carinho e dedicação?!
Ora, lá está: estes ingredientes são importantes em tudo e não é só na cozinha. São necessários em tudo na vida. Sem eles, a vida não faz nem pode fazer sentido.
Mas vamos ao que interessa. Certamente já se estarão a perguntar:
– Mas tanta lengalenga e qual é a receita secreta dela?!
Pois bem, a minha receita é algo muito simples e na qual se aproveita o que sobrou de uma refeição anterior. É um pecado estragar comida que sobra e que pode ser reutilizada. É como se fosse uma a regra dos três «R» mas aplicada à cozinha: Reduzir, Reciclar, Reutilizar.
Ora, a receita simples é esta (a ressalvar que foi passada pela minha avó e depois repassada às mulheres das gerações mais novas): aproveitar as carnes que sobram de um Cozido à Portuguesa ou de outro prato em que sobrem carnes. Podem acompanhar depois com arroz, salada, batatas fritas, batatas cozidas, legumes, com o que quiserem.
A receita como disse é simples. Por aqui chamamos «pastelão» e o que é um pastelão? Sim, é, no fundo, um pastel grande. E como se faz?
Os ingredientes para 4 pessoas são em média os seguintes (depois cada um verá melhor se precisa ou não de reajustar)
• Sobras de carne (depois esfiada ou picada)
• Uma cebola pequena picada
• Sal (se necessário)
• Pimenta q.b
• Salsa picada
Modo de preparação:
Pique ou esfie as carnes, junte a cebola picada, sal, pimenta, junte os ovos, misture tudo e por fim junte a salsa picada. Depois leve a fritar.
Sugestão: Se optou por esfiar a carne e/ou se quiser os ingredientes mais bem passados pode usar a varinha).
No que se refere ao Cozido à Portuguesa, também se pode aproveitar o caldo: ou para fazer uma açorda com pão recesso ou para fazer uma sopa usando o caldo do cozido, o que sobrar de batatas, cenouras e couves.
Para a açorda basta guardar um pouco da água do cozido e juntar pão recesso fatiado e uma folha de hortelã.
No que se refere ao caldo, basta juntar umas massas mais grossinhas e faz um bom caldo com algo muito simples.
As receitas não precisam de ser complicadas. Já a Maria de Lurdes Modesto já fazia receitas aproveitando o que sobra. A Filipa Vacondeus, também e cada vez mais se nota a tendência, sobretudo nestes tempos que se dizem de crise. Tempos, estes, em que o desemprego bateu sem pedir licença a muitas portas e torna-se muito difícil a muita gente ter sequer o que comer. Então, há que aproveitar mais do que nunca o que houver.
Não devemos estragar e esbanjar comida: quantas e quantas pessoas por esse mundo fora e até mesmo em Portugal, ficariam satisfeitíssimas nem que fosse com uma sobra de comida.
Depois há outro ingrediente secreto que se pode colocar nos pratos que preparamos: a criatividade! Uma dose de criatividade pode fazer a diferença. Claro que só deve ser usada em quem gosta de inovação e de criatividade. Quem goste somente do tradicional sem mexidas, certamente a apreciará pouco as inovações.
Não escolhi o bacalhau, fiel amigo de muitas receitas. Dizem que são 1001 receitas com este nobre peixe. Até podem ser mais, mas decidi escrever sobre estas receitas muito simples que se fazem aqui em casa e que, são nossas, de certo modo.
Evidentemente que num pequeno país como Portugal, a diversidade gastronómica é imensa e varia de região para região; até mesmo de terra para terra e do continente para as ilhas.
Quem nos visita regozija-se com os nossos manjares. E com razão.
Mas não há nada como os almoços e jantares com aqueles que amámos: aqueles almoços ou jantares de família e entre garfadas se conversa e se convive, como se entrássemos num outro mundo: um mundo de comidas, comensais e convívio em redor de uma mesa.
Por que não num almoço, lanche, ou jantar desses grandes ladeados de família e/ou amigos não servir, por exemplo, os pastelões como prato principal? Mas penso que estes pastelões deveriam ter um nome não acham?! E não há nome melhor que o da minha avó – afinal foi ela a mentora e foi ela quem passou a receita. Sem ela, a receita não teria chegado até mim. Sendo assim, como homenagem à minha avó, tomo a liberdade de nomear os pastelões e coroa-los como numa cerimónia em que se nomeia um novo rei, com o nome: «Pastelões da D. Maria Amélia»!
Claro, que estes pastelões merecem ser coroados neste reino de receitas e, afinal, Amélia também é nome de rainha e a minha avó era a Rainha dos Cozinhados e não só: era uma verdadeira rainha em todos os aspectos. Para isso, não é preciso coroa de diamantes: os melhores diamantes são os bons sentimentos que guardamos dentro de nós.
E num tão grande «repertório» de receitas que existem em Portugal: entre carnes, peixes, mariscos e deliciosas sobremesas, deixo sugestão de uma que é do meu concelho – o concelho de Ovar e apreciem o famoso Pão-de-Ló de Ovar – um verdadeiro manjar dos Deuses!
Ingredientes para 12 fatias:
• 125 g de farinha
• 18 gemas
• 250 g de açúcar
• 5 claras
Confecção: Ligue o forno a 180º. Bata as gemas e as claras com o açúcar durante alguns minutos até obter um creme espesso.
Adicione a farinha e bata lentamente. Unte uma forma (22cm de diâmetro) e forre-a com papel vegetal.
Deite a massa na forma e leve o pão-de-ló e deixe cozer por 15 minutos. Deverá desligar o forno após o tempo de cozedura e deixar a porta do forno aberta. Retire o bolo somente quando o forno estiver frio.
A superfície do bolo deve ficar húmida. A massa deve parecer mesmo que não está totalmente cozida, mas é mesmo assim, porque assim permite que o bolo esteja húmido no dia seguinte.
Comer aguça os paladares e é sem dúvida um dos muitos prazeres que levamos desta vida: como moderação, com dias também para «fazer asneiras», mas sem nunca esquecer que o ingrediente mais valioso que deve ser colocado em tudo na vida é o amor e a prescrição é infinita.
É no «país», por vezes inóspito que é a Cozinha, situada na Avenida dos Cozinhados – perdido entre tachos, panelas, talheres e outros objectos de cozinha, que cada alquimista dos cozinhados – deve saber que tudo deve ser feito com alma e coração. Não há poções mágicas: ao saber fazer, àquela receita especial (porque todas as receitas feitas com amor são especiais), nunca deve faltar: amor, carinho e dedicação.
Assim, salgando e adoçando o corpo, tocando o coração e afagando a alma se pode fazer da receita mais banal a receita mais gostosa que há memória. Teremos o segredo principal- aquele que fará toda a diferença.
E, por conseguinte, foi mesmo no País dos Meus Cozinhados que os ingredientes, por vezes esquecidos foram quase secretamente partilhados!
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